4 de fevereiro de 2014

Felizes Mortes by Camy Caroline

| |



Felizes Mortes

Randi sempre sonhara com um casamento histórico, cheio de arte, riquezas e extravagancias, um casamento a moda antiga. Era inglesa de nascença, porém o sangue de seus antepassados hindus sempre falara mais alto e ele a trouxera até este lugar, neste dia e nesta hora.

A garota olhou-se no espelho mais uma vez, admirando o trabalho que as mulheres de sua família fizeram em seu corpo. Milhares de tatuagens de hennavermelha cobriam suas pernas e braços, arabescos com flores e gavinhas que pareciam subir por seu corpo, dando-lhe um aspecto ancestral. Os olhos decorados com sombras em tons de dourado e kajal, evidenciando os olhos de uma forma que inimaginável. Os lábios levemente cor de cereja estavam em harmonia com os rubis e o sari¹ vermelho que lhe cobria o corpo, seu maravilhoso vestido de casamento.

Mais do que feliz com seu casamento, a garota mal percebeu que estava sendo observada. Ficou ali um bom tempo, apenas se admirando, até que sua mãe a chamou para os preparativos finais. Estava quase na hora! Em breve, seria uma mulher casada, daria orgulho a sua família.

O rapaz que a observava suspirou quando a noiva saiu de seu campo de visão. Uma mulher maravilhosa, que o fazia feliz sem pronunciar uma única palavra, mas que nunca seria sua. Seria dele. E ele sequer a amava! Só estava se casando, pois os pais o obrigaram, não lhe deram opção: ou casava, ou seria deserdado. Optou pelo casamento.
Annik achou que seria o castigo perfeito para o irmão mais velho, mas a verdade era que ao castigo fora destinado a ele. Desde o momento em que conheceu a noiva do irmão, encantou-se com sua beleza e doçura. Mulher de riso fácil, olhos brilhantes, muitos talentos e amorosa para com todos.

Como o noivo não podia conhecer a noiva até a hora da cerimônia, foi o intermediário do casamento, escolheu a noiva, acertou o dote e todo resto. Conheceu a noiva e a família a fundo. Apaixonou-se pela garota. Quando percebeu seus sentimentos mudando, só pode chegar a conclusão de que fora amaldiçoado pelos deuses. Era sua sina. Ele era e sempre seria apaixonado por aquela que era de seu irmão.
Precisava mudar isso. E faria o que fosse preciso para acabar com sua maldição.

_x_

Soham achava que deveria se sentir feliz, afinal, se casaria em poucas horas. E em poucas horas, teria uma noiva que lhe encheria a cama e faria tudo o que desejasse. Tentou se alegrar, mas não conseguiu nem sorrir minimamente. Homem livre como sempre fora, sonhava em viajar o mundo, ter as mulheres que desejava e todo o dinheiro que pudesse conseguir, não com um casamento arranjado, como mandava a tradição de seu povo.

Tudo aconteceu quando seus pais descobriram que engravidara uma ocidental em uma de suas viagens e a obrigara a abortar. Fez aquilo porque não queria responsabilidades, mas aos olhos de seus tradicionais pais, aquilo fora a gota d’água, um desrespeito irreversível contra a vida e, como castigo, ele deveria se casar, a coisa que menos queria fazer na vida.

Porém estava ali, prestes a sair de casa montado em seu cavalo branco com seu kurta² vermelho e uma espada de ouro presa ao quadril, enquanto rumava ao matador de seus sonhos, seu casamento. Não querendo ficar sóbrio durante o acontecido, pegou o pacotinho transparente que continha um estranho pozinho branco, que havia adquirido na Europa durante uma viagem. Seus amigos diziam que era bom, que o faria ficar feliz e fora de si.
Espalhou grande parte do conteúdo do pacote sobre a mesa, pegou um tubo de caneta e inspirou profundamente, deixando que uma estranha ardência tomasse conta de seu corpo. Poucos segundos depois, sentia-se livre e forte. Podia enfrentar qualquer coisa, até mesmo um casamento indesejado.

_x_

-Seu noivo é um rapaz muito bonito. –disse sua mãe, acariciando-lhe os cabelos negros. –Fará um bom casamento.

Ficara tão encantada com a ideia de se casar, que quase se esquecera de que não estava casando com o amado, mas sim com o irmão mais velho.

Apesar de amar sua religião e costumes, Randi odiava o fato de os pais terem de escolher seu noivo. Amava o irmão mais novo da família Chidambar. Era Annik, aquele que arranjara seu casamento para o irmão, fechara negócios com seus pais sobre seu dote, que a levara para rezar em alguns templos, preenchendo seus ouvidos com voz doce e melódica ao relatar histórias de sua família. Lembrava-se muito bem do dia em que ele a levara para um templo da deusa Durga e se declarara, foi um momento mágico...

“Tentou fazer de tudo para que os pais mudassem seu noivo, mas eles foram inflexíveis, dizendo que se ela fora prometida para o mais velho, com o mais velho se casaria.
Arrasada com aquelas palavras, ela fugiu de casa e se refugiou no templo da deusa Durga, onde o amado se declarara a ela e ficou ali sentada, esperando que a deusa atendesse suas preces e lhe mandasse algum consolo. E ele veio. Cabisbaixo, olhos no chão e lágrimas escorrendo pelas faces. Era ele, Annik, que por sua vez, ficou espantado quando viu a amada ajoelhada perto do altar da deusa, feições tristes e toda desgrenhada. Nunca a vira tão desarrumada, nem tão linda. Correu e ajoelhou-se a seu lado, sendo levemente acariciado no rosto.

-É realidade ou apenas um sonho de minha mente já enlouquecida? –a garota perguntara.

-Se está sonhando, então estou sonhando a mesma coisa. –respondera também a acariciando na face. –Pela deusa que testemunha isso, Randi, juro fazer de tudo para que possamos ficar juntos!”

Ela ainda esperava, mas suas esperanças minguavam a cada segundo. Seu casamento estava próximo e não havia mais nada a ser feito.

_x_

-Randi é maravilhosa, irmão, deve trata-la muito bem. –Annik tagarelava durante a procissão para o casamento.

-Que seja! –respondeu Soham, não demonstrando o menor interesse em ouvir.

Apesar de saber que aquilo tudo era para leva-lo ao seu mais profundo pesadelo, o noivo ficou feliz que fosse para ele, todas aquelas homenagens, a festa e as animadas músicas que o seguiam por onde passava. Levou a mão ao rosto como se fosse coçar o nariz, algo normal nas ruas cheias de areia daquela cidade, mas a verdade era que queria mais um pouco do maravilhoso ardor que experimentara mais cedo. Inspirou profundamente o pó que estava escondido sob a manga, sentindo as vias respiratórias queimarem como se estivessem em chamas, depois a pele, seguida dos olhos e boca. Seu coração vacilou e por um breve momento teve algo semelhante a um espasmo, depois mais outro e mais outro. De repente, o mundo tremia todo, assim como seu corpo. Uma estranha escuridão foi tomando conta dele, até que caiu do cavalo e o mundo se apagou de vez.

Vários gritos de terror cortaram a multidão que até a pouco cantava e dançava alegre. Annik desceu do cavalo e ajoelhou ao lado do irmão. Verificou o pulso, dilatação das pupilas e os demais sinais vitais, mas o único presente era o calor corporal e sabia que esse sumiria aos poucos. Estava morto.Soham estava morto.

-Pai! –o grito do irmão mais novo cortou a multidão.

O pai do noivo morto, por sua vez, estava estagnado em cima de seu próprio cavalo. Não conseguira desmontar, tampouco conseguiria chegar perto do filho morto.
–Vá até o local de cerimonia e avise sua mãe, avise que não haverá mais casamento. –conseguiu dizer com voz fraca depois do que lhe pareceram eras de silencio.

Sem pensar em muitas coisas, o filho mais novo montou seu cavalo e galopou até o local do casamento, não se dando o trabalho de desmontar ao chegar lá. Apenas foi entrando na tenda onde ficavam as mulheres e foi em direção a sua assustada mãe, que gritava que não era aquela a educação que lhe dera. Ignorando todos os comentários,Annik desceu do cavalo e segurou nas mãos da mãe, arrastando-a até a mãe da noiva e a própria noiva. Contou-lhes o que havia acontecido, fazendo com que a mãe começasse a gritar em desespero.

Os homens da festa, ouvindo a gritaria que se instalara na tenda das mulheres, entraram lá sem se importar minimamente com o costume, pois queriam saber o que acontecera para que suas mulheres ficassem tão histéricas. Vendo o garoto ali no meio da tenda, tomaram para si que ele era o motivo de tanto estardalhaço e o tentaram expulsar dali, mas ele foi resistente e contou tudo novamente, antes que fosse realmente expulso do local.

-Bem, -disse o pai de Randi, que até agora não esboçara emoção alguma. –foi prometido um dos filhos de Ananda Chidambarpara casar com minha filha. E como o noivo morreu... Que seja você a se casar com ela, rapaz. Honre a promessa que sua família fez para a minha.

Randi, que até o momento se mantivera quieta, correu até o pai e o abraçou brevemente, antes de se voltar para Soham e ajoelhar-se a seu lado. Sorriram um para o outro. Sabiam que era errado ficar feliz em meio a uma tragédia, porém não conseguiram se conter, pois finalmente ficariam juntos.

-Pela deusa Durga! –sussurram um para o outro, sabendo que aquilo só poderia ser castigo e milagre divino.

FIM

1- Vestimenta tradicional feminina indiana. Composta por saia longa, top e lenços.

2- Vestimenta tradicional masculina indiana. Composta por túnica e calças largas.

Um comentário:

  1. ACHEI ELA MUITO INTERESSANTE,OS DETALHES COMO VC A ESCREVEU MUITO BOM MESMO.

    ResponderExcluir