23 de dezembro de 2013

Do Amor e da Guerra by Camy Caroline

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Corri o mais rápido que minhas pernas permitiam. Por um momento, desejei virar uma partícula de fóton no vácuo, correndo a velocidade da luz, pois assim, ninguém poderia me pegar. Não que eu estivesse fazendo algo de errado, mas em meio a ditadura militar, protestar contra o governo fascista e se deixar ser pego, era quase uma sentença de morte, ainda mais sendo de família de militares. Esses, eles consideravam grandes traidores e a sentença vinha mais do que dura.
Forcei ainda mais minhas pernas, na esperança de deixar para trás o militar que me seguia. Corri em ziguezague, entrei em becos e com o impulso da corrida pulei muros, me enfiei em pequenas passagens que juguei que só uma pessoa com estatura baixa, assim como eu, passaria. Doce ilusão! Aquele militar corpulento e aparentemente sem nenhuma habilidade, corria com rapidez e flexibilidade, às vezes parecia que ele estava a brincar comigo, só para se divertir antes de me pegar e prender.
Entrei em um beco ladeado por lixo, um lugar tão apertado que mal cabia uma pessoa. Um lugar tão extenso e difícil de ser ultrapassado por pessoas grandes, que eu tinha certeza de que atrasaria o homem que me seguia, até chegar ao fim do beco e quase cair num barranco, que acabava rio estreito, que corria para o centro da cidade. Ia pular, mas hesitei. Poderia morrer nesse salto isso poderia ou não ser uma coisa boa. Por um lado, morrer seria ótimo, acabaria de vez com esse sofrimento, essa vida de lutas contra o fascismo de um governo injusto. Por outro, tinha filhos pequenos e marido que precisavam de mim e sofreriam muito se eu me fosse para sempre.
Recuei dois passos, batendo de costas contra uma parede de músculos, que rapidamente uniram meus pulsos e os prendeu com pesadas algemas. Inspirei profundamente, tentando evitar que as lágrimas que encheram meus olhos rolassem. Morreria, com toda a certeza, mas morreria honrosa para com os meus, morreria por uma causa que sempre lutei: a liberdade.
-Não quis pular, senhorita? –o militar riu ao meu ouvido. –Com medo de morrer? O que receberá aqui será muito pior, por isso...
Aquela voz era estranhamente familiar, mas não sabia dizer de onde a conhecia, por estar abafada pela máscara, que eles usavam para se proteger das bombas de gás que jogavam nos protestantes.
-Não tenho medo de morrer. –o interrompi. –O que faço não é errado, tampouco. Luto pela liberdade. Minha, de meus filhos e de meu marido, que é obrigado a fazer coisas horrendas com pessoas que assim como eu, pensam no futuro de nossa humanidade! –e em um gesto totalmente indigno de uma dama, cuspi no chão, representando todo meu nojo.
Ele tencionou todos os músculos e apertou meus braços com mais força, antes de me virar bruscamente de frente para si.
-Raphaele, o que está fazendo aqui? –perguntou, arrancando a máscara com uma das mãos, me encarando com amor e fúria. –Não disse para ficar longe disso?
Sem conseguir expressar reação alguma, encarei seus olhos negros como abismo, deixando-me cair em sua infinidade. Depois, meus olhos passearam por seu rosto, analisando cabelo metodicamente cortado, as linhas duras da mandíbula, as olheiras de cansaço, a testa vincada de preocupação, os lábios apertados em uma linha dura e por fim, a cicatriz que cortava toda sua bochecha esquerda.
Não conseguindo responder, me joguei contra meu marido em um estranho abraço sem os braços. Entendo o que eu queria fazer, Tiago rodeou-me com seus braços, confortando minha alma de uma maneira que só ele conseguia. Ergui meu rosto a procura de seus lábios, um beijo de despedida era meu desejo antes de ser entregue as forças militares, mas tudo o que ele fez foi se afastar alguns passos de mim, guardando algo metálico em um dos grandes bolsos de seu uniforme. Demorei algum tempo para perceber que aquilo eram as algemas que antes me prendiam.
Um silencio constrangedor se instalou entre nós, porém ninguém tentou quebra-lo. Sentindo-me oprimida, fiz menção de voltar ao beco e foi nesse momento que Tiago se colocou em meu caminho.
-Preciso ir. –disse eu, espalmando as mãos contra seus ombros, tentando movê-lo do lugar. –Tenho de lutar por nós, por nossa liberdade.
Ele tirou minhas mãos de seus ombros, pegou meus ombros e encarou-me profundamente.
-Não agora, há muitos militares na rua. Espere um pouco e saia comigo. –enquanto falava, lágrimas corriam por sua face. –Não posso perder você.
Desvencilhei-me dele e comecei a correr pelo beco, tentando voltar às explosões, tiros, gritos e toda a confusão a favor da liberdade de expressão. Mãos agarraram minha cintura e me puxaram para trás, escondendo-me nas sombras do beco.
-Eu vou morrer de qualquer jeito, então que seja por uma boa causa! –gritei exasperada. Senti o gosto salgado de lágrimas em minha boca. Não havia percebido que estava chorando até o momento.
Ele colocou-se a minha frente novamente, impedindo minha passagem. Baixei a cabeça sabendo que aquele era o fim de tudo, que mancharia o nome de
minha família e morreria como uma criminosa qualquer. Fui surpreendida ao sentir o delicado toque de meu marido sob meu queixo, obrigando-me a olhar em seus olhos, só para que ele colocasse meus cabelos atrás de minhas orelhas, antes de começar a acariciar a minha face, antes de beijar-me delicadamente.
-Você não vai morrer por isso, Raphaele, não vou permitir. –disse ele, colando sua testa na minha.
Balancei a cabeça negativamente, ele não podia fazer isso, tinha de contar para seus superiores, era seu trabalho. Por mais cruel que fosse, ele tinha de cumprir com seus deveres, era questão de honra. Não conseguiria conviver comigo mesma sabendo que ele escondia esse segredo, assim como não podia parar de fazer o que fazia, pois tinha certeza de que ele me imporia isso.
Abri a boca para falar, mas fui interrompida por uma voz desconhecida:
-Tenente Tiago, é só para prender os rebeldes e não para se aproveitar das moças que fazem parte do grupo. –disse com certo tom de riso na voz.
Viramo-nos assustados em direção a voz. Ficamos totalmente expostos, totalmente vulneráveis a um ataque. Percebendo isso, meu marido colocou-se na minha frente protetoramente.
-Espere aí! –disse o outro desconfiado. –Rodrigo, Daniel, Fernando! –gritou para algumas sombras que espreitavam o início do beco. –Essa não é a sua esposa?
-Sim, é a minha Raphaele. –respondeu, colocando os braços para trás, tentando me proteger ainda mais. –Ela estava indo visitar a irmã e acabou no meio da confusão quando saía de casa.
Os homens riram sombriamente, quase como se me tivessem visto liderando o movimento protestante.
-Nós vimos, tenente. Ela veste as cores dos rebeldes, até o símbolo está discretamente estampado em seu vestido. É melhor entrega-la, tenente, ou também sofrerá as consequências.
-Só por cima do meu cadáver. –meu Tiago respondeu, me empurrando para trás.
-Com todo o prazer. –o outro respondeu, erguendo uma arma e disparando rapidamente, vários tiros em nossa direção.
Não pensei direito, apenas puxei meu marido para o chão, mas já era tarde demais, ele havia sido atingindo no peito e no pescoço, estava perdendo muito sangue, estava caindo e eu não conseguia segurá-lo. Segundos depois, senti
uma dor insuportável nas costas, nos braços e na coluna, também havia sido atingida. Senti meu mundo girar e depois começar a escurecer aos poucos, era a morte chegando.
-Eu te amo. –falei, desejando que essas fossem as últimas palavras que meu Tiago ouvisse de minha boca.
E a escuridão se abateu sobre mim.

2 comentários:

  1. Omg!! Foi pequeno, mas tão significativo... Ain, amei demais, Camy!! Uma história emocionante. *o*
    Ameeeei demais, demais!!!
    Bjinhossss!!!

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  2. Foi otima, sem duvida estarei acompanhando. Bjs

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