19 de março de 2013

Radioatividade by Camy Caroline

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Prefácio

Brasil - São Paulo/SP – 00:00h do dia 6 de Abril

Sentia os longos cabelos ruivos grudarem-se a sua nuca e o suor escorrer pelas costas apesar do local ser ventilado. O ambiente era por si só opressivo, uma sala, repleta de monitores, com iluminação efêmera, dada quase exclusivamente pela luz que saiam das telas que estavam a sua frente, cada uma, com uma imagem diferente.

Ele não deixava passar um só detalhe do que se passava nos monitores a sua frente. Ele não poderia deixar passar e estava alucinado em busca da resposta que lhe cobravam. Silvio Makoski, seu chefe, estava prestes a chegar.

Aquele homem era tão mais influente no mundo, quanto o próprio presidente dos Estados Unidos e, justamente pelo o que ele estava exigindo de Rafael ali, o pobre empregado tinha certeza que ele passaria por cima de qualquer um que não atendesse seus interesses. E isto não poderia ser, exatamente, de uma forma politicamente correta.

-Onde está o garoto? –perguntou Silvio rudemente adentrando o recinto bem vestido com seu terno perto Armani, sapatos italianos bem lustrados, uma postura rígida e o rosto parcialmente coberto por um chapéu Fedora, da mesma cor de seu terno.

Rafael tremeu ao ouvir a voz do chefe retumbar pelo recinto ao falar do próprio filho como se fosse um objeto. A falta de sentimentos aparentes só tornava aquele homem ali ainda mais assustador. O homem não parecia ser humano e a frieza com que tratava as coisas só o tornava menos humano ainda.

_ T-temoq-eu ele tenha descoberto sobre a câmera acoplada a seu anel, senhor. – Rafael disse, com voz tensa, se dirigindo ao homem como se ele fosse mais seu senhor do que só seu patrão. Talvez, assim fosse. De qualquer forma, não olhou em seus olhos e se encolheu, esperando uma explosão de fúria diante de sua ineficiência…

Mas o contrariando, Silvio apenas sorriu sinistramente e encarou o maior monitor observando um mínimo movimento próximo a lata de lixo do beco mostrado pelo maior monitor da direita.

-Mais atenção Rafael! Ele ainda está ali.  –exigiu apontando firmemente para uma sombra que por vezes se movia minimamente. –Ele desconfia de algo?

-Nã...não senhor, ele acha que está sendo vigiado por causa das drogas. –Rafael se calou por alguns segundos escolhendo as próximas palavras a dedo para que fossem bem interpretadas pelo chefe. –Ele nem imagina o verdadeiro motivo.

Mas a verdade era que o garoto desconfiava de que algo estivesse prestes a acontecer.
As drogas não passavam de uma mera desculpa que Silvio inventara para os funcionários, para justificar o que estava prestes a fazer. Com isso, todos achavam que o garoto era um rebelde sem causa e que merecia uma lição. Só não concordavam com a lição que o pai havia escolhido, mas quem iria questionar o tão intimidador e poderoso chefe?

-Bom, muito bem. –Silvio disse enquanto assentia para si. –Qualquer movimento do garoto, me avise. –e saiu dali sem mais delongas.

Rafael encarou confuso a porta que seu senhor havia acabado de fechar. Ele não entendia o porquê de Sílvio fazer isso com o filho, mas de uma coisa Rafael tinha certeza, nenhuma das intenções de seu chefe era boa.

Ao sair da sala de monitores, Silvio sacou o celular do paletó e rapidamente discou os números já decorados por sua mente e consequentemente por seus dedos.

-Hans na escuta. –o segurança atendeu após o segundo toque.

-Quero relatórios. –exigiu Silvio, sua voz era dura como pedra e fria como gelo.

-O garoto está no beco ao lado de uma boate ilegal, é provável que a polícia chegue logo. –Hans respondeu com cautela, ele fazia de tudo para não decepcionar o chefe.

-Então se prepare para leva-lo ao local combinado, pois será hoje. –Silvio ordenou feliz, ele não via a hora em que seu filho se transformaria em um verdadeiro cientista chegasse.

-Tem certeza senhor? –pela primeira vez na vida Hans deixou o medo transparecer em sua voz, ele achava aquilo que Silvio faria com o filho era extremamente cruel.

-Sim Hans, eu tenho certeza. –disse Silvio impaciente. Ele odiava que o questionassem. –Agora, faça o que tem que fazer. –e desligou na cara do “segurança” de seu filho.

Silvio seguiu andando até sua limusine, convicto de que tudo iria mudar a partir desta noite.

Capítulo 1

Connectticutt – 2:00 am (EUA)

8 meses depois...

O vento frio batia em seu rosto como navalhas cortando sua pele, sua respiração pareciam baforadas de gelo seco, latas eram arrastadas pelo vento forte e seco, o local era sombrio.

Para Ademir, aquele local lhe trazia lembranças, lembranças de morte. Ele achava difícil lembrar aquele fatídico dia que mudara completamente sua vida, seu ser. Era um dia em branco para ele, a explosão havia de algum modo, bloqueado sua memória. Por mais que forçasse sua mente, as lembranças que chegavam a ele não passavam se flashs confusos, fatos sem uma sequencia certa. Mas ali, encostado aquele prédio, simplesmente esperando, ele via claramente as consequências do acontecido, como a sua inteligência avançada, seu ínfimo conhecimento nas áreas das ciências e a estranha desenvoltura que seu corpo mostrava para qualquer tipo de atividade física. Agora ele se sentia mais máquina pensante do que humano, pois tinha a mente rápida e avançada como a memória de um computador e a força de qualquer máquina se carga, era capaz de suportar grandes pesos, sem sentir dor alguma, assim como tinha movimentos perfeitos em qualquer esporte que ousasse praticar.

Olhou o relógio mais uma vez na esperança de não ter se adiantado, mas os ponteiros do relógio o desmentiam. Então, com a esperança de que o tempo passasse mais rápido, 

Ademir começou a andar pelo beco fétido e imundo a procura de algo. Talvez tivesse alguma pista de o que o esperava ali, mas ele nada encontrou além de um mendigo encolhido dentro de uma grande caixa de papelão.

- Chegou cedo. – a voz rouca e seca ecoou pelo beco fazendo com que Ademir virasse para ver o portador dela.

- Rayan. – ele disse para o homem de terno a sua frente. Olhou o relógio mais uma vez. –

Também se adiantou, ainda é 00:10h, sendo o combinado 00:30h. –sua voz destilava sarcasmo. Uma defesa natural, levando-se em conta que o homem o pegara de surpresa. 

- Ademir – disse o outro no mesmo tom cordial. Ignorou o comentário sarcástico do garoto. 

– Vejo que está muito bem.

Ademir reprimiu o impulso de gritar quando aquelas cinco palavras foram proferidas. Porque ele não estava nada bem e aquele que proferiu as palavras sabia muito bem disso.

- Não tão bem quanto aparento. – disse após algum tempo de um silêncio que ele usou para reprimir sua raiva. – Afinal, eu te procurei, não? – desafiou se aproximando da entrada do beco.

- Você veio atrás de mim procurando respostas e não de uma cura. - Rayan cerrou os punhos demonstrando que gostava da situação tanto quanto Ademir.

A curta respiração dos dois era tudo o que se ouvia naquele espaço por longos minutos. O silencio se devia ao fato de que eles precisavam escolher suas palavras minuciosamente, pois qualquer frase mal formada poderia leva-los a uma briga letal.

- E o que você tem a me dizer? – Ademir perguntou, por fim.

- Me siga. – disse Rayan, saindo do beco e movendo-se rapidamente pelas ruas desertas da cidade. Ele nem ao menos se deu ao trabalho de verificar se Ademir o seguia.

O garoto o seguia em silêncio enquanto apressava seus passos, que eram abafados pela neve, para conseguir acompanhar Rayan.

Os dois pararam apenas quando chegaram a uma construção antiga, porém vistosa com suas janelas de madeira ornamentadas e a porta entalhada, as sacadas pintadas de um branco impecável, os entalhes na parede que parecia ser feita de gesso, os tons pastéis da fachada e o ar convidativo que ela passava. Com olhos astutos, rápidos, curiosos e apreensivos, Ademir avaliou as estruturas, definindo ser algo aproximadamente do século XVI.

- Entre. – Rayan convidou abrindo a ornamentada porta, cuidadosamente.

Ademir nada disse ao adentrar a casa. Ele apenas se pôs a observar cada detalhe arquitetônico da antecâmara. Admirando cada canto, cada figura esculpida naquela parede adornada de arte barroca. A arte que segundo seu pai, e segundo as fotos que ele via, sua mãe costumava admirar e restaurar antes de dar a luz ao filho e por um fim a sua vida.

Os olhos do garoto estavam atentos a cada detalhe daquela conflituosa arte que dominava o ambiente. As cores, extremamente escuras e extremamente claras que ocupavam um mesmo quadro, anjos e demônios lutando em um mínimo espaço, a divindade com que representavam a figura humana através dos anjos e santos, as criaturas fantásticas, como bruxas e gigantes, os gritos de guerra e liberdade que algumas obras expressavam, a delicadeza e força que as esculturas de gesso possuíam, a exuberância preenchia o ambiente, e os olhos de Ademir avaliavam cada mínimo detalhe das conflituosas obras de arte que representavam a época barroca. Fez a incrível observação de que o ambiente fora feito para ter as paredes simétricas. Tudo o que havia pintado na parede da direita, estava quase igual a da esquerda.

- Calculando as variantes? – Rayan perguntou, sorrindo enquanto se punha a observar os ângulos e incógnitas presentes ali.

- Um lugar quase simétrico. – Ademir respondeu após dois minutos de cálculos.

O espantou estampou-se na face de Rayan. “Como isto é possível?” – ele pensava. – “Fiz o impossível para que todas as partes, para que todas as figuras repetidas ficassem exatamente iguais.

Ademir riu da expressão de desgosto do homem a sua frente.

- Não se preocupe. – falou, “lendo” os pensamentos do dono da casa. – A diferença das partes que deveriam ser idênticas é mínima, questão de milímetros. Digo, tudo está no tamanho das figuras. Algumas maiores que as outras, apenas isso. – Ademir riu.

- Não imagina como isso me deixa aliviado. – Rayan colocou as mãos nos ombros de Ademir a passou a conduzi-lo pela casa. – Meu avô era um verdadeiro perfeccionista, acredito que herdei isso dele, não admito grandes diferenças em coisas que foram feitas para ser iguais.

- Semelhantes. –disse Ademir, corrigindo-o. Ele se sentia poderoso ao ter tanto conhecimento.

- Como?

- Semelhantes. – repetiu vagarosamente. – Nada é igual neste mundo. Algumas coisas são apenas semelhantes. Pode ser que a semelhança seja grande, mas cada coisa é única. Um bom exemplo é o de irmãos gêmeos, que podem ser idênticos na aparência, porém cada um possui um DNA único.

Rayan se surpreendia com a forma segura com que o garoto deixava escapar de suas observações. O menino, jovem, com olhos que pareciam ter a profundidade do oceano e a sabedoria de toda uma vida, o rosto e a inocência de uma criança e aparência de um homem, com seu sobretudo pesado e o chapéu Fedora, assim como seu pai usava. Aquele garoto perecia saber de mais coisas que as outras pessoas de sua idade. Era mais sensível, mais cuidadoso… Rayan ousaria dizer que ele caminhava para ser um homem extremamente sábio.

Pendurou o casaco e o chapéu nos ganchos atrás da porta da casa e seguiu o anfitrião pela luxuosa casa. 

Mas, apesar das palavras firmes e confiantes, Ademir se sentia oprimido e observado pelas inúmeras obras de arte que lotavam os corredores que passavam. Quadros que pareciam ter movimentos confusos, os olhos das figuras pareciam o seguir, assim como os olhos brancos vazios das esculturas de gessos... As figuras se mexiam sem uma direção exata, o deixando ainda mais desorientado... Ele não conseguia mais saber para onde ia!

- Está tudo bem? – Rayan perguntou assim que viu a cor se esvair da face do garoto.

- Tudo sob controle. – ele respondeu, cerrando os dentes com o intuito de cessar o fluxo de informações matemáticas que seus olhos captavam ali.

Vendo a mentira na face de Ademir, Rayan pegou-o pelo braço e o arrastou pelos corredores da mansão até uma grande, lisa e pesada porta de madeira. Abriu um compartimento na parede, que ninguém havia de reparar se não prestasse muita atenção, pois a mesma estava parcialmente escondida por uma escultura e por ser da mesma cor da parede, se misturava muito bem ao ambiente.

- Secretum tempore explicandis humanae vitae manifestationem cerebro¹. – Rayan sussurrou se aproximando desse compartimento secreto, pouco antes da porta se abrir revelando um verdadeiro paraíso científico.

1 – Frase em latim. Significado: O Segredo da vida será revelado no momento em que desvendarmos o cérebro humano.


Capítulo 2

Ademir adentrou o laboratório, admirado com a variedade de vidros e máquinas que compunham o ambiente. Eram computadores compostos de tecnologia 3D, 4D e 5D, máquinas de um prateado brilhante, que ele só podia imaginar sua função, equipamentos médicos, engenhos gráficos, esboços, cálculos matemáticos, fios de todo tipo, em especial os de cobre, que eram os fios que normalmente regiam equipamentos eletrônicos. Aquilo era um verdadeiro laboratório... Um paraíso científico para ele.

Ademir havia aprendido a gostar de todo tipo de ciência, especialmente as ciências exatas. Matemática, física, química... Tudo o que envolvia números, raciocínio e lógica o atraía, o enfeitiçava e o impulsionava para frente, levando-o a criar coisas inimagináveis, como o protótipo que emitia uma luz, que continha a mesma frequência que a solar, projeto que lhe deu o primeiro lugar na feira de ciências de sua escola, no ano anterior. Queria tornar-se cientista renomado, assim como sua mãe fora um dia, que criava desde aparelhos, até formulas para um novo remédio, apenas para ajudar as pessoas deste vasto planeta em que viviam. Queria, através da matemática, juntamente com a sábia filosofia, auxiliar pessoas que nem mesmo conhecia, dar esperanças a aqueles que já tinham perdido a fé na vida. Queria usar seu alto QI não para benefício próprio, mas para ajudar os que precisavam.

Ele mal viu Rayan sair de suas vistas, pois tudo o que ele conseguia fazer, era admirar o vistoso e moderno ambiente. Esqueceu-se da dor de cabeça que sentia, para a qual o cientista fora buscar um remédio, pois aquele laboratório trouxera seu grande sonho à tona. Parado ali, em meio a um paraíso tecnológico, ele soube que seu sonho seria possível.

-Aqui, garoto. –disse Rayan, estendendo-lhe um comprimido e um copo, pegando Ademir de surpresa. Coisa rara de se acontecer, desde que a explosão acontecera, já que seus sentidos haviam ficado mais aguçados depois da mesma.

Ademir olhou-o assustado. A dúvida assolava sua mente, ele se perguntava se era seguro confiar em Rayan, afinal, ele era o maior inimigo de seu ausente pai, Silvio. Rayan, no entanto, encarava o garoto com uma face bondosa e preocupada. Ademir sentiu-se triste. Ele sempre quis que seu pai fosse assim com ele, mas Silvio era duro e frio, nunca, nenhuma vez em seus 17 anos de vida, Silvio foi no mínimo, carinhoso com o único filho.

-Não é veneno. –Rayan afirmou, depositando o comprimido na mão do garoto. –É apenas um composto criado por mim, para dores de cabeça pelo excesso de informação, como a que você está sentindo. Acredite, isso acontece muito com matemáticos quando trabalham demais, ou quando veem arte com inúmeros elementos, como minha decoração barroca, que você viu antes de adentrar meu laboratório.

Ademir pegou o copo de água e engoliu o comprimido, ainda completamente surpreso. Nunca, ninguém havia dado a mínima atenção ou tivera o mínimo cuidado para com ele depois da explosão. Então, ele nunca esperaria uma atitude tão preocupada, ainda mais vinda de Rayan.

Alguns segundos se passaram em silêncio, enquanto o remédio era reconhecido pelo sistema digestivo de Ademir e, aos poucos, o garoto começou a enxergar o ambiente com mais nitidez, tornando aquele laboratório mais incrível ao que tinha parecido aos olhos dele, de primeiro momento.

-Obrigado. –Ademir agradeceu, após sentir que o comprimido fazia efeito.

Rayan olhou o garoto com admiração, por sua simplicidade, mas o cientista guardou aquilo para si, temendo que o garoto se transformasse em uma pessoa convencida e arrogante, caso ele pronunciasse aquelas palavras.

O cientista nunca imaginou que uma pessoa que fora criada no mesmo ambiente que Silvio, fosse ser tão humilde a ponto de agradecer um comprimido.

-Você é um garoto especial, portanto, merece atenção e cuidados. Além de um professor, é claro. –Rayan disse, tentando manter o seu tom de voz sério e neutro.

-E por quê? –Ademir perguntou. Não confiava em Rayan, ainda mais depois de ter visto inúmeras brigas entre seu pai e ele. Nunca vira o teor de suas conversas, mas os gritos dos dois homens já falava por si só. Então, como fiar em alguém, que claramente desejava o pior para seu pai?

Rayan retesou, não sabendo o que responder. Se ele falasse a verdade, o garoto poderia levar as informações a seu pai. E se mentisse, o garoto com certeza perceberia.

-A mente humana é extremamente confusa. –disse evasivo. Ele ficou de costas para Ademir, enquanto caminhava em direção a uma série de equipamentos, que estavam cobertos por tecidos incrivelmente brancos. –Às vezes agimos para encobrir fantasmas passados, às vezes por puro interesse... Minhas motivações pode ser qualquer uma das duas mencionadas, mas não devemos falar disto agora, temos assuntos mais importantes a tratar.

Mentalmente, o cientista se parabenizava por tão boa resposta, elaborada em tão pouco tempo.

-Sei que seu passado é negro, Rayan. Não precisa elaborar respostas evasivas para não responder minhas perguntas, apenas diga que não lhe é viável responder e eu entenderei. Gosto de respostas diretas. – Ademir retrucou de forma inconsciente e perspicaz. Seu olhar ferino fuzilava as costas do anfitrião, como se aquele mesmo olhar fosse causar alguma dor no homem. Não gostava dele, tampouco de suas atitudes enigmáticas.

Uma longa e genuína gargalhada irrompeu do peito de Rayan. Ele estava nervoso pelo garoto ser tão esperto, porém, estava admirado pelo mesmo motivo. O garoto havia questionado uma resposta sua. Isso era algo que nenhum de seus mais inteligente e experientes alunos, nunca havia feito, ainda mais para uma resposta, que ele, Rayan, havia considerado como algo bem elaborado.

Enquanto ria, Rayan virou-se para a mesa, e depois para o garoto, mostrando as mãos cheias de fios ligados a uma caixa branca com tela preta. Mesmo o aparelho estando desligado, a tela exibia linhas coloridas, que dançariam com o som do coração, assim que o aparelho fosse ligado.

Ademir, assustado com o Frequencimetro, recuou um pouco, pronto para sair em disparada. Sabia que o aparelho, de forma fria e irrefletida, invadiria seu coração e diria quantas vezes batia por minuto, exporia as recentes anomalias de seu corpo e junto com tudo isso, seus maiores medos. Parecia impossível que um pequeno aparelho expusesse seus maiores medos, mas era assim que o garoto se sentira com relação aos exames que havia feito após a explosão, vulnerável, sem conhecimento sobre si mesmo. A respiração do garoto ficou superficial, ele estava com medo do que estava por vir.

Ryan o encarou confuso. Não havia motivos para o garoto temer os equipamentos. Então, como se para assustar Ademir ainda mais, ele avançou três passos e quase encurralou o garoto contra uma esteira.

-Algum problema? –Rayan perguntou, deixando o tom desafiador trespassar a voz.

Ele não pretendia assustar Ademir, mas testá-lo fazia parte de suas aulas.

-O que vai fazer? –Ademir rebateu com outra pergunta, tentando desviar de Rayan, mas falhando miseravelmente em sua tentativa, quando o cientista o segurou pelo braço.

Franzindo o cenho, Rayan largou o aparelho sobre a mesa que estava a seu lado e sentou no chão, como qualquer criança de 6 anos faria. Ele abaixou a cabeça e, franziu o cenho para o desenvolvimento físico de Ademir. Estava claro que quando o garoto ficava nervoso, seu corpo sucumbia, ficava fraco. Quando chegou perto o suficiente, ele sentiu o pulso de seu futuro aluno acelerar de forma alarmante, assim como viu a cor esvair de seu rosto. 
Afastar-se, deixa-lo respirar e se acostumar com o ambiente, era a melhor alternativa para acalmar seu pupilo.

Ademir estranhou a atitude do cientista. O pânico por estar na toca daquele que era inimigo de seu pai começou a tomar-lhe o corpo, começando com um pequeno comichão no pé, que foi subindo pelas terminações nervosas, até chegar ao cérebro, que por sua vez, liberou uma grande dose de adrenalina no sangue, quase fazendo o garoto sair em disparada até a porta.

O garoto teve de reunir grande força de vontade, para não sair correndo daquele labirinto científico. Com passos minuciosamente calculados, se afastou de Rayan, com o intuito de conhecer o laboratório, avaliar o ambiente, para ver o que poderia usar a seu favor, caso o anfitrião tentasse algo contra ele.

Andou pelo laboratório, sentindo-se sufocado com a enorme quantidade de computadores e bancadas com produtos químicos, contidos ali. Era aquele mesmo sufoco que sentiu ao ver o excesso de pinturas barrocas, no caminho para o laboratório, mas a grande diferença era que aqueles objetos o atraiam de forma arrebatadora. Teve de reunir muita força para não se deixar levar pela curiosidade e explorar o laboratório de forma descuidada, que o colocasse em perigo, dentro do covil do inimigo.

Passando em frente a uma máquina de tomografia holográfica, Ademir teve a estranha sensação de déjà vu e instintivamente, tocou a máquina, sendo sugado para um mundo turvo e sombrio.

“Ademir reconhecia o local, aquela era a sala se exames em que ele havia feito sua primeira tomografia após a explosão.

Mas, não era só o local que Ademir reconhecia, ele também reconhecia o garoto que estava deitado na máquina. Os olhos azuis encarando o teto, a pele branca, porém muito arroxeada com machucados, as mãos calejadas, os cabelos negros, grossos e indomáveis, a barba rala, a camiseta branca de mangas longas e o jeans surrado. E o garoto era... O garoto era ele!

Temeroso, Ademir aproximou-se da máquina, somente para ver seu outro eu agoniando, enquanto o exame ocorria.

Ele podia sentir a dor que o outro ele, o que fazia o exame, sentia, mas mesmo assim, resistiu a sensação de queimação que o contraste radiológico, aquele estranho líquido que punham na veia das pessoas quando elas vão fazer tomografias em que querem destacar as veias, em meio a massa cinzenta, lhe causava, e andou até a sala em que os médicos operavam a máquina.

Ele entrou naquela sala como intuito de ver o outro lado daquele exame que ele fizera no passado.

Diferentemente das outras vezes, o cheiro de éter impregnado na sala não lhe causou dor de cabeça, mas sim, o ajudou a pensar com clareza e perceber os detalhes do seu exame, que se passava na tela do monitor, que mostrava as imagens de seu cérebro.

Ele estranhou as mãos trêmulas, as respirações superficiais e atitudes temerosas dos médicos. Era como se aqueles médicos, aparentemente experiente, estivessem vendo algo pela primeira vez.

-Incrível! –exclamou o médico mais novo, deixando um sorriso iluminar sua face, contrastando com sua pele negra. –Nunca vi tanta atividade cerebral... O que o chefe fez foi um milagre!

Os olhos do médico negro brilhavam em excitação. Ele nunca gostava de coisas diferentes nos exames de seus pacientes, mas aquilo... Aquilo era uma grande evolução para a humanidade.

O outro médico olhou seu parceiro, incrédulo no que ele havia acabado de dizer. Esse médico não desviou os olhos do monitor por muito tempo, mas pelo pouco tempo que o fez, Ademir imaginou ter visto naqueles olhos, o mesmo brilho e preocupação que ele via nos olhos de alguém que ele conhecia. Mas quem?

-Incrível? Tem ideia do quanto isso pode prejudicar o garoto? Nunca vi uma atividade cerebral tão alta... –o médico mais velho falou, apontando para o monitor. -90% de atividade cerebral... Não dou mais dez anos de vida para o garoto. –afirmou, deixando seu cenho se enrugar mais ainda.

Ademir assustou-se ao ver que sua atividade cerebral aumentou e as cores nas veias que estavam contrastadas, se intensificaram, enquanto uma dor insuportável ameaçava rachar seu crânio. Um grito de agonia escapou de sua boca e da boca do garoto deitado na maca.”

-Ademir... Ademir... –Rayan chamava e chacoalhava Ademir levemente.

Ademir abriu os olhos e encontrou um Rayan muito preocupado a sua frente.

-Como fui parar lá? – perguntou Ademir, se referindo à sua recente visão.

A confusão tomou conta de Rayan, mas ele não a demonstrou.

-O que você viu? –devolveu Rayan, optando por “jogar um verde”, fingir que sabia a verdade, apenas para saber o que havia acontecido para Ademir ter feito aquela pergunta.
Curiosidade. Era o que definia o olhar do cientista, mas Rayan tentava vão, não demonstrar isso.

Agora, era a vez de Ademir ficar confuso. Ele tinha quase certeza de que Rayan estivera com ele naquela sala de exames, mas pelo visto, se enganara. Então, sem saber o que fazer, ele contou a Rayan o que havia acontecido.

O cientista ficou estarrecido ao fim da história, pois ele nunca ouvira algo tão incrível e, pela primeira vez em sua vida, ele acreditou nas palavras daquele que havia dito, que Ademir nascera para revolucionar o mundo.

-Inacreditável... –Rayan sussurrou para si mesmo, quando Ademir terminou se relatar sua visão e ter exposto suas dúvidas sobre a cena que ele reviveu. –O hipocampo... Ativado! Um grande avanço para a ciência...

O coração de Ademir acelerou consideravelmente. Se era verdade o que Rayan falava, ele era a mais nova anomalia científica. Se os mais famosos cientistas da atualidade descobrissem esse feito, ele seria tratado como rato de laboratório.

A incredulidade paralisou o cientista por vários minutos. Ele mal podia acreditar que o garoto havia encontrado um modo de ativar o hipocampo, uma das partes mais importante do cérebro ligado a memória, que ainda não fora esclarecida, pelo menos até o presente momento. Agora, ele só precisaria encontrar um modo do garoto falar para ele como fizera aquilo, como se conectara a uma memória que ele estava inconsciente e a vira com tantos detalhes.

Rayan sentou-se em frente a um computador, ligou-o e começou a digitar incansavelmente. Ele parecia fazer um registro, Ademir só não conseguia imaginar um registro do que poderia ser.

-Como? –foi a pergunta que escapou da boca de Ademir, depois de absorver as palavras de Rayan. Ele temia as palavras do cientista. E se... E se aquilo fosse uma sentença de morte? Ou pior, e se fosse mais uma de suas esquisitices ou até mesmo uma parte desconhecida da sua hiperatividade?

Sabia a funcionalidade do hipocampo em organizar memórias e transformá-las coerentes em tempo e espaço, assim como sabia que o modo como essa parte funcionava era desconhecida. Também sabia que qualquer estímulo sensorial ativava o hipocampo, trazendo a pessoa uma lembrança, mas nunca ouvira relato algum de pessoas que tivessem lembrança tão vívida, a ponto poder reviver a memória além de seu ponto de vista, assim como ele fez.

Rayan não ouviu o que Ademir perguntou, pois a partir do momento em que o garoto revelou o que havia acontecido, sua mente se focou no avanço científico e neurológico que aquilo tinha.

-Rayan? –Ademir chamou. Ele estava assustado com a falta de reação do cientista a sua frente.

Foi aí que o cérebro de Ademir voltou a trabalhar rápido e o ambiente começou a ficar opressivo demais, causando-lhe uma asfixia insuportável. Ele gritou agoniando em mais uma enxaqueca insuportável.

Mas, apesar dos gritos que o garoto dava, Rayan nada fazia além de ficar sentado em frente a um dos muitos computadores contidos naquele laboratório, pois sua mente estava focada em seu relatório. Registrar a grande descoberta era mais importante que qualquer outra coisa. Ele ouvia os gritos do gênio que o havia permitido fazer esse tão importante registro, mas pensava que o garoto teria que lidar com a relação cérebro, comportamento e emoção sozinho.

Ademir tencionou os músculos, cerrou os dentes e começou a esmurrar o chão do laboratório, o único lugar livre de equipamentos. Seu cérebro mandou altas ondas de adrenalina para seus músculos, fazendo-o soltar essa substancia de forma violenta.

Essa estranha e repentina adrenalina, nada mais era do que uma mistura de confusos sentimentos sendo descarregada em seu corpo.

A raiva e a dor consumiam o corpo do garoto. Ele se sentia caindo em um abismo profundo e sem fim, dando a impressão de que ele logo chegaria a fundo de um poço sujo e ali definharia, com tamanha que era a sua dor. Seu cérebro mandou altas ondas de adrenalina para seus músculos,

Com o passar dos minutos, a dor de Ademir passou, seus músculos relaxaram, os socos no chão cessaram... Ele estava exausto!

Rayan parou de digitar, olhou profundamente para o garoto que aos poucos se recuperava. 
Novamente, mal podia acreditar como aquele jovem conseguira controlar sua situação tão rápido.

-Muito bem, Ademir. –disse com voz profunda, a voz de um professor. –Você sabe por que teve essa reação ante a seu grande fluxo de sentimentos?

Ainda encarando o chão, o garoto balançou a cabeça negativamente.

-Está familiarizado com as reações da depressão? –Novamente, o cientista recebeu uma negativa. Respirou fundo e buscou na memória as aulas de doenças psicológicas, que tivera na faculdade. –A depressão nada mais é do que a mais perigosa doença psicológica. Ela definha tanto o corpo quanto a mente do indivíduo. Em sua iminente tristeza, a pessoa depressiva deixa de comer ou come demais, sente-se extremamente cansado, muda seus hábitos diários e isso, por si só já muda o metabolismo, pois o mesmo começa a desacelerar gradativamente, causando o cansaço, o excesso de sono e outros sintomas do tipo. E veja só, tudo isso por conta da tristeza, insegurança, dentre outros sentimentos.

O garoto ouvia atento tudo o que Rayan dizia. Absorvia a enorme quantidade de informações com facilidade, prendendo-se a cada palavra da explicação. Continha uma inteligência acima da média e uma incrível facilidade em aprender, mas não era um gênio. Ainda precisava de explicações, de alguém que o guiasse e o ensinasse os mistérios da vida, exatamente como o cientista fazia no momento. Compreendeu assim, com uma analogia simples e torta, como corpo e mente são eximiamente interligados.

Ademir levantou-se e encarou aquele que agora seria seu professor. Ainda não confiava nele, mas o mesmo se mostrara gentil e disposto a fazer algo que ninguém fizera até o momento: ensiná-lo a ciência e uma forma de lidar com as sequelas da explosão. Os olhos do garoto estavam sedentos, sedentos pelo conhecimento que Rayan iria lhe passar. Um conhecimento, que ele só aprenderia se testando e passando por situações como aquela pela qual ele acabara de passar.

-Não sei suas motivações para estar se oferecendo para me ajudar. –disse, encarando profundamente o cientista com o olhar maduro e decidido, talvez um olhar maduro demais para sua idade. O outro ouvia atento, ávido para saber o que o garoto tinha a dizer. –Mas entendo que preciso dessa ajuda para testar meus novos limites e você se ofereceu, ou aceitou me ajudar quando lhe pedi ajuda, tanto faz, a verdadeira questão é: quando começamos as aulas?

Um sorriso leve trespassou pelos lábios de Rayan por breves momentos. Ele novamente pegou os fios do Frequencimetro em suas mãos e os brandiu para o garoto, dizendo:

-Que tal começarmos com um teste físico? Apenas uma corrida na esteira...

 Não teve tempo de terminar a frase, pois Ademir já tirava a camisa e se encaminhava para a esteira de forma cautelosa, porém decidida. E assim ele soube que seu mais novo aluno havia aceitado seu primeiro desafio.


3 comentários:

  1. Omg, Camy nos presenteando com mais uma fic estupenda não?! ^_^
    Caramba, fiquei boquiaberta apenas com esses capítulos. Nossa, esse rapaz certamente é o "cara". Fiquei arrepiada e tenho certeza de que vou amar, sem sombra de dúvidas!
    Amandoooo demais, demais!!!
    Bjkssss!!!

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  2. Fala sério hein!!! Acabei de ler, danada vc hein Camy, parabéns!!! Quando eu olhei o título, eu pensei: "hum, deve ser chata, não tem Jacob". Mas depois de alguns parágrafos e além, quando vi, já estava na N/A !!!
    E eu pergunto: quando vai ter ATT dela outra vez?!?! Logooooo, please!!

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  3. Oh my god!! Vc consegue nos surpreender a cada capítulo. Dio Santo, estou cada vez mais envolvida com esse Ademir, uau, ele é realmente demais!! E pelo visto os mistérios só estão começando... omg, já estou me corroendo e a fic mal começou.
    Amandooooo demais, demais!!!
    Bjinhosss!!!

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